Coléras Gigantinas — #1

20–08-2022, rj.

Mauro Melo
2 min readAug 21, 2022
Cólera Gigantina, by eu mermo.

Vejo gente todos os dias. Cumprimento-as na minha cabeça e ao mesmo tempo é como se eu não as visse. Não sei por que choram, nem o porquê de parecerem sempre presas a um peso nítido, obscuro e ainda assim evidente. Sensação de cansaço; o maior sinal de interesse termina desinteressado. Sou triste porque sou quieto e no íntimo não sei viver de outra forma; não há para mim nenhum sentido no mundo a valer a pena fora da solidão. Sem rigidez ou brutalidade mais que patológica; o silêncio, o vazio, a observação solitária e a busca incansável por estar plenamente livre de planejar soluções, de ter que prever acontecimentos, de ensaiar movimentos e gestos. Talvez se eu fosse um pouco mais baixo, tivesse mais amigos. O mundo faria mais sentido, embora também nos baixos persista a inadequação.

Acontece que não há escolhas e apenas consigo estar à ponta dos pés vasculhando terrenos; os que desejei, nunca foram meus; e os que eventualmente me quiseram, nunca me pertenceram. Tento observar de cima e o todo é um largo deserto com grandes palmeiras. A grama é verde e muitos pisam como se há tempos pertencessem a ela; os pés encaixam perfeitamente ou são simplesmente abraçados pela terra sempre fértil.

Ofereceram-me pares de sapatos e alguns eram muito apertados; outros frouxos, outros tão excessivamente largos, que até o primeiro passo provocava uma insegurança imensa. Dos poucos que a princípio provocaram a sensação de encaixe perfeito, ofereceram-me apenas metade e eu sofri.

Apoio enfim o peso do corpo sobre estes pés pelados e caminho descalço sem maiores provocações ou constrangimentos. Altas observações à minha revelia enquanto o mundo corre abaixo… A realidade é que muito pouco disso importa e eu não seria capaz de ser qualquer outra coisa senão o que sou. Não os invejo nem os denuncio. Calem-se as gramas e criem-se manguezais.

Acabaram de arder, meu amor, na lareira da nossa vida, as achas dos nossos sonhos…
Desenganemo-nos da esperança, porque trai, do amor, porque cansa, da vida, porque farta e não sacia, e até da morte, porque traz mais do que se quer e menos do que se espera.

--

--